Quando saí do cinema após ver Era Uma Vez em Hollywood a minha reação havia sido "Ok, é um filme legal, mas poderia ser bem mais". Ao conversar com amigos, os mesmos demonstraram a mesma reação. E minha impressão sobre o filme continuava a mesma até ouvir o Nerdcast Era uma Vez... Quentin, onde minha opinião mudou completamente. E ela mudou apenas por um único motivo: só naquele momento eu havia entendido o filme. Pois bem, esse é o problema de Once Upon a Time em Hollywood.
Você poderia dizer que eu simplesmente não tive capacidade intelectual suficiente para entender mais uma das obras geniais de Quentin Tarantino, mas não. O problema de Era Uma Vez em Hollywood é que só é possível compreender esse filme com uma carga histórica anterior de quem está assistindo. Carga essa que o público brasileiro raramente possui (pois é uma história muito conhecida nos Estados Unidos em geral). Apenas depois de escutar o podcast foi que conheci a história real de Sharon Tate. E apenas sabendo do que ocorreu realmente é que todas as cenas do filme passam a ter uma carga dramática fortíssima e a genialidade de Tarantino se mostrou mais uma vez. Assim, proponho que todos conheçamos a história de Sharon Tate.
Sharon Tate, na época, uma das mais belas mulheres do mundo |
Sharon Marie Tate Polanski foi uma atriz e modelo norte-americana assassinada em Los Angeles, no dia 9 de agosto de 1969. Considerada uma das maiores promessas do cinema e sex symbol de Hollywood, na época de sua morte, aos 26 anos, estava casada com o diretor polonês Roman Polanski, havia participado de sete filmes, trabalhado como modelo para comerciais e revistas de moda e tinha sido indicada para o Globo de Ouro pelo filme O Vale das Bonecas, de 1967.
Uma das mulheres mais bonitas do cinema da década de 1960, morreu de maneira trágica, brutalmente assassinada quando estava grávida de oito meses, pelas mãos da "Família Manson", uma seita de jovens seguidores de Charles Manson, em um crime que ficou conhecido como o caso Tate-LaBianca. Hoje vamos falar apenas sobre a parte Tate do caso.
A história dos assassinatos de Sharon Tate e seus hóspedes na madrugada de 9 de agosto de 1969 começa na primavera de 1968, quando Charles Manson, um ex-presidiário aspirante a músico e cantor vivendo como hippie e líder de uma seita de jovens que viviam de pequenos golpes e ajuda de estranhos pelo estado da Califórnia e pelas ruas de Los Angeles, fez amizade com o cantor Dennis Wilson, dos Beach Boys. Ele e alguns membros de sua 'Família', como se chamavam, passam a viver numa das casas de Wilson, na Sunset Boulevard, que apresenta Manson a Terry Melcher, produtor de discos de sucesso e filho da atriz Doris Day.
Por algum tempo Melcher ficou interessado em conhecer as músicas de Manson, assim como à "Família', de quem teve a ideia de fazer um documentário sobre a comuna hippie em que viviam. Ele chegou a ouvir as músicas de Manson num apresentação particular na mansão alugada em que morava no momento, em 10050 Cielo Drive, Bel Air, com a namorada, a atriz Candice Bergen, mas declinou de assinar um contrato com o hippie. A ideia do documentário acabou rejeitada depois que Melcher presenciou uma briga entre Manson e um dublê bêbado em Spahn Ranch, o local onde a 'Família' agora vivia, de maneira quase indigente, nos subúrbios de Los Angeles. O fato provocou um afastamento de Melcher e Wilson de Manson, que ficou raivoso e amargurado.
Pouco tempo depois, Melcher e Bergen mudaram-se de Cielo Drive e o dono do imóvel, Rudi Altobelli, alugou a mansão para o casal Roman Polanski e Sharon Tate, que passaram a morar ali em 15 de fevereiro de 1969. Manson visitou a casa em março à procura de Melcher, mas foi mandado embora por um amigo de Tate, o fotógrafo Shahrokh Hatami, que lhe disse que o produtor havia se mudado. Charles então voltou novamente à casa na mesma tarde e se dirigiu à casa de hóspedes, onde o proprietário, Altobelli, estava saindo do banho. Os dois conversaram e Rudi informou a Mason que Melcher havia se mudado para Malibu e que ele mesmo estava saindo do país no dia seguinte, em viagem para Roma. Perguntado como foi parar ali, Manson respondeu que havia sido mandando até a casa auxiliar pelas pessoas da casa principal e Altobelli pediu que ele não incomodasse mais os inquilinos. Quando Rudi e Sharon Tate viajaram para a Itália no dia seguinte, a atriz lhe perguntou quem era aquele sujeito de aparência assustadora que havia aparecido na casa no dia anterior.
Na noite de 8 para 9 de agosto, Manson enviou seus pupilos Tex Watson (lembra dele do filme?), Susan Atkins, Linda Kasabian e Patricia Krenwinkel para "aquela casa onde Melcher costumava viver" e "destruir totalmente quem estiver lá, da maneira mais cruel que puderem", e orientou as mulheres a seguirem as instruções de Tex. Krenwinkel. No momento em que o grupo chegara a casa quem estava era a atriz Sharon Tate, grávida de oito meses (seu marido, o diretor de cinema Roman Polanski encontrava-se na Europa), o cabeleireiro de celebridades, amigo e ex-namorado dela Jay Sebring, a milionária socialite Abigail Folger e seu namorado, Wojciech Frykowski.
Quando o grupo chegou à porta da mansão de Cielo Drive passava de meia noite. Watson, que já havia estado na casa uma vez com Manson, subiu num poste telefônico próximo ao portão e cortou as linhas da residência. Estacionando o seu carro no início da subida que dava na residência, o grupo o deixou ali e retornou à casa. Imaginando que o portão fosse eletrificado ou tivesse um alarme, eles escalaram um pequeno barranco coberto de mato do lado direito e desceram no gramado da mansão. Naquele momento, luzes do farol de um carro vieram do caminho que saía da propriedade e 'Tex' mandou que as meninas se escondessem nos arbustos. Ele então saiu do esconderijo e ordenou ao motorista, o estudante Steven Parent, de 18 anos, amigo do caseiro, que parasse. Quando Watson colocou o revólver calibre 22 na cabeça de Parent, o amedrontado adolescente começou a tremer e pediu ao assassino que não o machucasse, que ele não diria nada. A resposta de Watson foi uma facada na mão do jovem, cortando tendões e arrancando o relógio do pulso, e atirou nele quatro vezes, atingindo o peito e o abdome.
Após cruzar o gramado e mandar Kasabian procurar por uma janela aberta, Watson cortou a tela de uma delas e ordenou a ela que ficasse vigiando o portão. Ele então removeu a tela, entrou na casa pela janela e abriu a porta da frente para Atkins e Krenwinkel. Quando Watson sussurrou por Atkins, Frykowski, que dormia no sofá da sala de estar acordou e levou um chute na cara de Watson. Quando o polonês lhe perguntou quem era e o que queria ali, Watson respondeu: "Eu sou o diabo e vim aqui fazer coisas do demônio". Atkins explorou a casa, descobriu os outros três ocupantes e, com a ajuda de Krenwinkel, levou todos para a sala. Watson começou a amarrar Tate e Sebring pelo pescoço com uma corda que trouxeram a atirou-a por sobre uma viga da sala. Sebring protestou contra o tratamento a Tate, dizendo que ela estava grávida, e levou um tiro e sete facadas do psicopata.
Da esquerda para a direita, Leonardo DiCaprio, Brad Pitt e Quentin Tarantino |
Bom, após entendermos como de fato tudo ocorreu, passamos a perceber detalhes da história de Tarantino, e o filme revela ter uma sensibilidade inesperada vinda do famoso diretor.
O primeiro ponto que destaco é o fato de Sharon ser descaracterizada como uma personagem. Ela é apresentada como uma mulher (quase uma menina) encantada com o novo mundo que se apresentava a ela, com a carreira promissora, com a reação da plateia ao ver suas cenas. Tate é apresentada de maneira humana. Uma mulher que, apesar de sex symbol, tem os pés sujos, que dobra a roupa escutando música, que gosta de ser reconhecida como uma atriz em cartaz.
O segundo, e não menos importante, é a apropriação do nome "Era uma vez" para contar uma história que poderia ter sido. "Imaginem como seria se..." é o que está propondo Tarantino. "Tudo aquilo aconteceu mesmo, porém: e se o desfecho fosse outro?". E se Tate e Polanski morassem na casa ao lado? E se naquela casa estivesse um dublê capaz de dar uma surra no Bruce Lee? E se. E se. E se.
O uso de detalhes na narrativa dá uma sensação de tensão raramente vista, por exemplo com Rick interceptando os rippies fazendo barulho na rua, mas ao mesmo tempo são utilizados para as mudanças do "Era uma vez", sendo o desfecho desse exemplo Nelson dando um grande esporro neles fazendo-os descer a rua. O mesmo pode ser dito sobre a fala de Tex ao entrar na casa "Eu sou o diabo e vim aqui fazer coisas do demônio" que ao final do filme é narrada de maneira desleixada por Cliff dando um toque de humor mesmo depois de tudo o que aconteceu.
Poderia estender esse ensaio por muitos parágrafos descrevendo sacadas geniais do diretor que percebemos ao conhecer a história real, mas aí voltamos ao início desse texto, pois esse é o problema de Once Upon a Time in Hollywood: o filme só funciona quando sabemos tudo o que aconteceu na vida real. E é bem complicado acompanhar a história sem saber.
Dito isso, recomendo após terminar esse texto fazer duas coisas: escutar o podcast indicado no início desse ensaio - ou então não, pois o texto já é bastante esclarecedor - e rever Once Upon a Time in Hollywood, porque afinal de contas continua sendo genial, continua sendo Tarantino, e depois de saber tudo o que aconteceu a cena do lança-chamas fica ainda melhor.
***
Caso esse seja o primeiro texto que você leu desse blog, recomendo que leia outros - são bem legais - além de assistir aos vídeos do canal do YouTube. Envie esse link para outros amigos que não entenderam o filme, ou que entenderam e concordam com essa crítica. Muito obrigado por ler até aqui.
Nenhum comentário: