Dois Papas: o que Francisco significa para a Igreja Católica - Víctor Graecus

1/20/2020

Dois Papas: o que Francisco significa para a Igreja Católica

Dois Papas



Muito mais do que um grande filme e indicado ao Oscar, Dois Papas é uma obra que mostra toda a representatividade de a Igreja Católica ter hoje Francisco I como seu Papa e um belo serviço da Netflix em divulgar em larga escala a beleza da filosofia por trás da sua imagem.

Antes de mais nada devo deixar claro aqui a natureza desse ensaio: ele expressa minha opinião pessoal e discutirá muito mais do que aspectos técnicos do filme (aos quais gostei muito e, pelo visto, a academia também). Aqui expresso a importância de Jorge Mario Bergoglio para o mundo, e a revolução que ele propôs e capitaneou na igreja Argentina, latinoamericana, e hoje mundial a partir do Vaticano. Esclarecendo minha óbvia inclinação filosófica, quem sabe até política, continuemos.

Elucidando o tema, Dois Papas narra a amizade entre Bento XVI (Joseph Ratzinger, interpretado por Anthony Hopkins, indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante) Francisco (Jorge Mario Bergoglio, interpretado por Jonathan Pryce, indicado ao Oscar de Melhor Ator), a ascensão e renúncia do primeiro, e o papado do primeiro Papa não-europeu da história.

Logo nos minutos iniciais de filme nos deparamos com a eleição do papado de Bento XVI, após a morte de João Paulo II. Conhecemos um pouco melhor alguns dos principais personagens dessa história. Entendemos como Ratzinger era acima de tudo um político e como Bergoglio já era cotado para o papado por alguns bispos do mundo. Após isso, com um salto temporal chegamos ao momento em que Bergoglio é chamado à cidade do Vaticano para conversar com o atual Papa Bento XVI. O filme continua a partir daí e boa parte do seu tempo se desenrola em conversas entre os dois personagens e flashbacks da vida do cardeal argentino. Ao final temos a renúncia de Bento XVI e o início do papado de Francisco, com imagens reais das reações do mundo inteiro.

Não me preocupei com spoilers do filme pois se você está lendo esse texto próximo ao seu lançamento, ou até nos anos seguintes, você estava vivo e com certo grau de consciência quando Francisco I mostrou-se ao mundo.

Agora vamos ao ponto central desse ensaio. Durante o filme Francisco conversa com Bento XVI pois pretende se aposentar. Voltar a ser um simples padre e atender pequenas comunidades. Em meio ás conversas com o santo padre, expõe sua opinião sobre como a igreja deve se comportar e fica evidente as diferentes percepções dos dois sobre a instituição que eles representam. Se por um lado Bento XVI defende uma igreja conservadora, com costumes e dogmas antigos, Bergoglio defende uma igreja voltada ao povo, sem luxos e que abraça a todos sem detrimentos. Bergoglio apresenta ao público que está assistindo ao filme a visão franciscana e latino-americana de igreja que mais tarde abraçaria de vez adotando Francisco como nome papal. E é a apresentação desses ideais que faz esse filme tão especial para mim.

Bergoglio em suas pequenas discussões com Bento XVI mostra-se defensor dos pobres, do povo. Defende a prática de tudo o que Jesus ensinou e que por vezes a Igreja Católica simplesmente não pregava. Em um diálogo, ao ser perguntado porque daria comunhão a pessoas que não deveriam receber, como os divorciados, por exemplo, diz que "a comunhão não é um prêmio para os virtuosos, mas sim alimento para os famintos". Em outro, deixa claro que não concorda com dogmas como o celibato "que não tivemos até o Século XII" e diz que "Anjos não existiam até o século V e do nada há anjos por todos os lados, como pombos". Essas frases mostram a ruptura que ele significava para as crenças da igreja.

Durante certo momento, ao ver Ratzinger jantando sozinho diz que comeria com outras pessoas. Ao ser perguntado sobre a prática do tango e se dançava acompanhado diz que pelo respeito à sua posição na igreja não poderia dançar sozinho. Ao final ainda tira o próprio Papa para dançar em frente a outros funcionários do Vaticano. Cada gesto, cada resposta é pensada de forma a passar a mensagem de sua figura. Eu poderia ficar aqui por parágrafos e mais parágrafos analisando cada cena, cada fala e movimento, mas deixo para que vocês mesmo o façam assistindo.

Trecho em que Bento XVI se confessa ao então Cardeal Bergoglio
Trecho em que Bento XVI se confessa ao então Cardeal Bergoglio
É importante destacar, no entanto, em que cenário Bergoglio se coloca. Durante o ano de 2013 a Igreja Católica enfrentava um grande escândalo sexual, com envolvidos muito próximos inclusive do Papa Bento XVI. Ao mesmo tempo, a defesa de ideias como a homossexualidade ser algo do demônio por parte de grupos conservadores também trazia problemas. A igreja perdia fiéis ao mesmo tempo que se colocava como um centro de escândalos e preconceito. Assim, já em fevereiro desse ano Bento XVI renunciou, algo extremamente raro na história da igreja, e abriu espaço para um novo papa. Alguém que precisaria reverter tudo o que vinha acontecendo. Esse alguém viria a ser um cardeal argentino muito conhecido pelo povo, envolvido com uma ala progressista da igreja e com um carisma fora do comum.

Durante o filme, Jorge Mario conversa com os serviçais de maneira amigável, chegando a ganhar mudas para plantar em casa. Ele rejeita a ideia de existir casa de verão para o papa e o uso de itens de ouro e outros luxos. Demonstra como acredita que deveria ser a igreja: simples, um centro de amor e acolhida. O contraste entre as ideias dos dois religiosos é tão forte que Bento XVI acaba criando certa simpatia pelo argentino e, ao final, pede para que este seja o novo Papa após sua aposentadoria, pois só com ideias novas (nem tão novas, diga-se de passagem, mas talvez conhecidas apenas em regiões em desenvolvimento do mundo) que igreja superaria o que estava ocorrendo. O resto da história vocês conhecem.

Assim, indico Dois Papas para todos aqueles que viram o mundo parar e ver o Papa Francisco sair naquela varanda pela primeira vez. Para todos aqueles católicos conservadores que acreditam que dogmas devem ser seguidos até no mundo atual. Para todos aqueles católicos progressistas, defensores do direito dos mais pobres, dos grupos oprimidos e marginalizados, vocês encontrarão ali a figura de um aliado. E também a todos os não católicos que possam vir a se interessar pelo que a Igreja pode fazer pelo mundo, pois ela ainda sim é muito influente, e a todos que ficaram interessados no que Francisco defende.

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Essa é a análise de um agnóstico sobre um filme que me tocou por apresentar a figura de alguém cuja filosofia me identifico tanto.

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