O Leitor introduz uma luz diferente para o que ocorreu nos campos de concentração alemães durante a segunda guerra mundial. Ao nos apresentar Hanna, uma mulher que não era nazista por ideologia, mas que apenas alegava cumprir as funções do seu trabalho, o espectador é confrontado. Ele é intimado a refletir a respeito de seus próprios valores. Se o que ele faz é pautado pela própria moralidade, ou pelo que é dado como certo no seu tempo.
Para entendermos como isso acontece, primeiro vamos dar alguns passos atrás. O filme conta a história de Michael, um homem que aos 16 anos se apaixonou por uma mulher mais velha, para quem lia diferentes obras e tinha envolvimento sexual. Essa mulher era Hanna, pessoa que o ajudou durante um momento em que o garoto estava doente. Os primeiros momentos do filme mostram como se construiu essa relação. Após o desenvolvimento dos personagens, vemos Michael chegar à faculdade de direito, onde ele é levado por um de seus professores, junto com sua turma, a assistir a um tribunal em que estão sendo julgadas mulheres acusadas de crimes de guerra por suas ações em campos de concentração nazistas durante a segunda guerra mundial. Nesse cenário, ele se depara com Hanna entre as rés, sendo julgada junto a outras funcionárias (e uso esse termo pois foram pessoas que exerciam funções nos campos, mas não nos é dito o que exatamente), pela responsabilidade na morte de mais de 300 judeus durante um incêndio, além de auxiliar ao sistema nazista durante o período.
Diante desse contexto começam as reflexões, porque, ao contrário do que fazem os outros acusados, Hanna se coloca como consciente do que fazia, e argumenta, com grande racionalidade, que realizava as ações que lhe eram ditas porque era seu “dever”. É nesse ponto que o filme passa a nos mostrar uma outra realidade: e se os oficiais nazistas não fossem simplesmente maus? E se eles apenas estivessem fazendo o lhes era mandado? Hanna se comporta durante todo o processo como Eichmann no livro de Arendt (1963): alguém que fora parar no meio de todos os acontecimentos porque o mercado de trabalha fez acontecer, porque alguém mandou as coisas serem feitas, porque “por que não?”.
Acontece que após essa reflexão inicial, outras tomam o primeiro plano do filme. Após o processo, Hanna é condenada como mandante dos atos por ter assinado documentos que organizavam as ações e cumpre sentença perpétua (mais tarde aliviada, ao fim da vida da personagem). Durante esse período a mulher aprende a ler (sim, Hanna não sabia ler ou escrever, e portanto não teria como escrever qualquer documento) e no processo aflora sua sensibilidade, cultivando os próprios ideais. Em cena ao fim do filme, quando perguntada sobre o que ela tinha aprendido durante o tempo na prisão ela responde “Eu aprendi a ler”. Michael diz que não sabe se ela aprendeu o que deveria, e aí temos o norte de todo o filme. Hanna responde “não faz diferença o que eu penso, mas sim o que eu fiz”.
Hanna demonstra ao final da obra que, mesmo que seus ideais fossem diferentes do regime ao qual trabalhava – ou mesmo que não fossem –, o que ela realizou era o que importava. Os resultados já haviam acontecido, pessoas já haviam morrido. Ter cumprido seus deveres sem questionar fizera dela uma excelente funcionária, mas a fizera cometer atos horríveis. É a partir desse diálogo que a segunda reflexão do filme se instaura, discutindo agora o âmbito da atitude crítica. Até que ponto agir “no automático” não pode ser prejudicial?
O que Arendt demonstra em Eichmann em Jerusalém (1963) e o filme O Leitor nos apresenta são os perigos de se viver sem atitude reflexiva. Aceitar o que é imposto como natural por vezes reafirma preconceitos e atitudes danosas, tanto à sociedade, como ao ambiente, ao sujeito individual, etc. Cabe ao leitor (ou ao espectador) absorver o que essas obras apresentam e, quem sabe, por meio de reflexão filosófica e desconstrução, encontrar alternativas.
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